Estes textos são ótimos para leitura compartilhada em HTPC, além de serem gêneros estudados em sala de aula
E tudo mudou... (Crônica)
O rouge virou blush
O pó-de-arroz virou pó-compacto
O brilho virou gloss
O rímel virou máscara incolor
A Lycra virou stretch
Anabela virou plataforma
O corpete virou porta-seios
Que virou sutiã
Que virou lib
Que virou silicone
A peruca virou aplique, interlace, megahair, alongamento
A escova virou chapinha
"Problemas de moça" viraram TPM
Confete virou MM
A crise de nervos virou estresse
A chita virou viscose.
A purpurina virou gliter
A brilhantina virou mousse
Os halteres viraram bomba
A ergométrica virou spinning
A tanga virou fio dental
E o fio dental virou anti-séptico bucal
Ninguém mais vê...
Ping-Pong virou Babaloo
O a-la-carte virou self-service
A tristeza, depressão
O espaguete virou Miojo pronto
A paquera virou pegação
A gafieira virou dança de salão
O que era praça virou shopping
A areia virou ringue
A caneta virou teclado
O long play virou CD
A fita de vídeo é DVD
O CD já é MP3
É um filho onde éramos seis
O álbum de fotos agora é mostrado por email
O namoro agora é virtual
A cantada virou torpedo
E do "não" não se tem medo
O break virou street
O samba, pagode
O carnaval de rua virou Sapucaí
O folclore brasileiro, halloween
O piano agora é teclado, também
O forró de sanfona ficou eletrônico
Fortificante não é mais Biotônico
Bicicleta virou Bis
Polícia e ladrão virou counter strike
Folhetins são novelas de TV
Fauna e flora a desaparecer
Lobato virou Paulo Coelho
Caetano virou um chato
Chico sumiu da FM e TV
Baby se converteu
RPM desapareceu
Elis ressuscitou em Maria Rita?
Gal virou fênix
Raul e Renato,
Cássia e Cazuza,
Lennon e Elvis,
Todos anjos
Agora só tocam lira...
A AIDS virou gripe
A bala antes encontrada agora é perdida
A violência está coisa maldita!
A maconha é calmante
O professor é agora o facilitador
As lições já não importam mais
A guerra superou a paz
E a sociedade ficou incapaz...
... De tudo.
Inclusive de notar essas diferenças.
Crônica
Luis Fernando Veríssimo
O homem trocado
O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de
recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.
- Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.
- Eu estava com medo desta operação...
- Por quê? Não havia risco nenhum.
- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...
E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca
de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de
orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos
redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou
com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não
soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.
- E o meu nome? Outro engano.
- Seu nome não é Lírio?
- Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...
Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não
fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na
universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.
- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês
passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.
- O senhor não faz chamadas interurbanas?
- Eu não tenho telefone!
Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram
felizes.
- Por quê?
- Ela me enganava.
Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas
que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico
dizer:
- O senhor está desenganado.
Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma
simples apendicite.
- Se você diz que a operação foi bem...
A enfermeira parou de sorrir.
- Apendicite? - perguntou, hesitante.
- É. A operação era para tirar o apêndice.
- Não era para trocar de sexo?
Crônica
Luis Fernando Veríssimo Professora Jaqueline Pizzetti
O MÉDICO FANTASMA (Contos de Assombração)Esta história
tem sido contada de pai para filho na cidade de Belém do Pará. Tudo
começou numa noite de lua cheia de um sábado de verão.
Dois
garotos conversavam sentados na varanda da casa de um deles.
—
Você acredita em fantasma? — perguntou o mais novo.
— Eu não!
— disse o outro.
— Acredita sim! — insistiu o mais novo.
—
Pode apostar que não — replicou o outro.
— Tudo bem. Aposto
minha bola de futebol que você não tem coragem de entrar no
cemitério à noite.
— Ah, é? — disse o garoto que fora
desafiado. Pois então vamos já para o cemitério, que eu vou provar
minha coragem.
Assim, os dois garotos foram até a rua do
cemitério. O portão estava fechado. O silêncio era profundo.
Estava tão escuro... Eles começaram a sentir medo.
Para ganhar a
aposta, era preciso atravessar a rua e bater a mão no portão do
cemitério. O garoto que tinha topado o desafio correu. Parou na
frente do portão e começou a fazer careta para o amigo. Depois se
encostou ao portão e tentou bater a mão nele. Foi quando percebeu
que ela estava presa.
— Socorro! Alguém me ajude! — ele
gritou, desmaiando em seguida.
Nisso apareceu um velhinho vindo do
fundo do cemitério, abriu o portão e chamou o outro menino.
—
Seu amigo prendeu a manga da camisa no portão e desmaiou de medo.
Coitadinho, pensou que algum fantasma o estivesse segurando.
O
garoto reparou que o velhinho era muito magro, quase transparente.
—
Obrigado. Como é que o senhor se chama?
— Eu sou o médico
daqui. Vou acordar seu amigo.
O velhinho passou a mão na cabeça
do menino desmaiado e ele despertou na mesma hora.
— Vão pra
casa, meninos — ele disse. Já passou da hora de dormir.
E foi
assim que os meninos perceberam que tinham conhecido um fantasma e
entenderam que não precisavam ter medo de fantasmas, pois esses,
apesar de misteriosos, são do bem.
Heloísa Prieto. “Lá
vem história outra vez: contos do folclore mundial”. São
Paulo.
Cia das letrinhas, 1997 (texto adaptado para fins didáticos).
Professora Jaqueline Pizzetti